Júlia Abi-Sâmara é uma mulher de destaque na educação financeira do Brasil. Fundadora da plataforma “As Investidoras”, sua missão é transformar o conhecimento em ferramenta para autonomia feminina. 

Desde criança, Júlia sempre gostou de economizar dinheiro. Mas foi na faculdade, quando alguns colegas riram dela por não saber sobre investimentos, que ela decidiu aprender mais. 

Começou ensinando amigas sobre finanças em casa e depois usou as redes sociais para alcançar mais interessadas. Agora, com “As Investidoras”, já ajudou mais de 6.000 mulheres. 

Em uma entrevista exclusiva para o Portal Elas que Lucrem, a especialista em investimentos falou sobre os desafios de atuar em um mercado dominado por homens e a importância de as mulheres aprenderem sobre dinheiro para terem mais controle em suas vidas.

Para ela, conversar sobre dinheiro significa muito mais do que simplesmente discutir números. É o primeiro passo para que elas se tornem mais independentes e conscientes de seu potencial financeiro. “Mulheres, conversem sobre dinheiro com outras mulheres!”, provoca.

Então, vamos juntas quebrar esse tabu? Leia agora a entrevista completa!

  1. O que a levou a se interessar por investimentos? Como foi o começo de tudo?

Desde pequena, sempre fui muito curiosa sobre o dinheiro. Me lembro de guardar moedas no cofrinho de barro, e acompanhar em uma planilha quanto de dinheiro eu tinha juntado. 

Entretanto, durante a adolescência e início da vida adulta, acabei me afastando do assunto e até acreditando que não seria capaz de investir. Tudo mudou na faculdade, após uma conversa com alguns colegas de classe que estavam conversando sobre o tema e zombaram do fato de eu não entender sobre o assunto.

Esse episódio virou uma chave na minha cabeça e me fez refletir sobre o porquê eu só via homens à minha volta falando de investimentos. 

Comecei a estudar, e passei meses fazendo cursos e me aprofundando sobre o tema. Quanto mais eu estudava, mais percebia o quanto isso estava relacionado à autonomia e liberdade, e como era importante as mulheres terem domínio sobre as suas finanças.

Após muito estudo e prática, decidi dar uma aula de finanças para as minhas melhores amigas de infância, e foi assim que comecei: reunindo amigas e conhecidas em casa para ensinar a elas o básico de investimentos, na esperança de mudar o cenário à minha volta. 

A iniciativa, que na época era gratuita, foi crescendo e passei um ano realizando esses encontros presenciais entre mulheres.

Me formei em Administração de empresas pela FGV, e participei de muitos cursos voltados para o tema, como o Dn’a Women, uma iniciativa de capacitação de mulheres para o mercado financeiro criada pelo Goldman Sachs, BNP Paribas, Deutsche Bank e Banco UBS.

Em 2020, com o isolamento social, decidi produzir conteúdos sobre o tema nas redes sociais, e em 2021, decidi transformar isso em um negócio e abri a empresa “As Investidoras”. 

Desde então, são mais de 6.000 alunas nos cursos, e muitos avanços no mundo de investimentos para mulheres.

  1. Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao entrar em um espaço tradicionalmente dominado por homens como o mercado financeiro?

Trabalhar em um mercado tradicionalmente dominado por homens significa, muitas vezes, ser uma das únicas mulheres em uma reunião ou conversa, e enfrentar alguns preconceitos por isso. 

No início da minha carreira, foi um desafio ser levada a sério. Enfrentei piadas sobre meu gênero e idade, homens tentando me explicar conceitos básicos de um assunto que eu domino, entre outras situações constrangedoras e que podem abalar a sua confiança. 

A falta de representatividade, com certeza, é um grande desafio. Mas, com o tempo, aprendi a me posicionar quando uma situação desconfortável acontece, e aprendi a não levar para o pessoal e deixar abalar a minha autoestima. 

  1. Sobre “As Investidoras”, qual é a missão principal dessa plataforma?

Nossa missão é ajudar mulheres a terem uma relação saudável com o dinheiro, possibilitando que construam uma vida mais independente e autêntica.

  1. Qual foi o momento ou evento específico que a fez perceber a necessidade de criar uma plataforma de educação financeira voltada exclusivamente para mulheres?

Sempre fui muito observadora, e quando comecei a aprender sobre investimentos logo percebi que eu só via homens falando sobre o assunto, e que as mulheres à minha volta não conversavam sobre o tema. 

Tive a ideia de realizar uma pesquisa entre conhecidas, e foi assim que descobri que nenhuma tinha sido estimulada a aprender e todas se sentiam muito inseguras em falar sobre dinheiro. Foi assim que percebi que se eu queria mudar essa realidade, precisava criar um ambiente acolhedor para mulheres e falar diretamente com elas. 

  1. Quantas mulheres já foram impactadas pelos seus cursos e eventos? 

Hoje são mais de 6.000 alunas impactadas pelos cursos!

  1. Por que você acredita que a educação financeira específica para mulheres é tão importante?

A educação financeira específica para mulheres é crucial porque, historicamente, as mulheres tiveram menos acesso a recursos financeiros e educação. 

Além disso, elas enfrentam desafios únicos, como a disparidade salarial, períodos de afastamento do mercado de trabalho devido à maternidade ou cuidados com familiares, o que pode impactar sua capacidade de acumular riqueza a longo prazo.

A educação financeira é importante, porque está diretamente relacionada à liberdade e autonomia. Por muitos anos, as mulheres não foram incentivadas a entender sobre finanças, dependendo de terceiros para tomar decisões importantes sobre as suas vidas. 

O dinheiro é a principal ferramenta de troca da nossa sociedade e, a partir do momento que uma mulher aprende a cuidar da sua vida financeira, ganha uma das coisas mais importantes que pode ter: poder de escolha. 

Poder de escolha para estar em relacionamentos que fazem bem para ela, para sair de trabalhos abusivos, frequentar espaços seguros e realizar os seus sonhos. 

Cuidar do dinheiro vai muito além de comprar itens caros, é uma questão de segurança e liberdade.

  1. Quais são as principais barreiras que as mulheres enfrentam ao aprender sobre investimentos?

As principais barreiras são o medo, a falta de incentivo e a insegurança. Ao longo de todos esses anos trabalhando com o tema, não tenho dúvidas de que toda mulher é capaz de aprender a investir, e que o principal desafio é a questão emocional. 

A maioria das mulheres cresceu sem ter referências de outras investidoras, sofreu algum tipo de preconceito sobre o assunto, ou aprendeu ao longo da vida que dinheiro não é coisa de mulher. 

Quando se trata de finanças, as mulheres ainda são retratadas como descontroladas com gastos, ruins de fazer contas ou interesseiras. 

Essa imagem construída ao longo do tempo faz com que acreditem que o assunto não é pra elas, e se sintam inseguras de começar a investir.

  1. Em sua opinião, quais são as maiores diferenças entre homens e mulheres quando se trata de lidar com dinheiro e investimentos?

Estudos mostram que mulheres costumam ser mais conservadoras ao investir, evitando colocar todo o seu dinheiro em investimentos arrojados, e dando mais valor ao longo prazo. 

Na minha experiência, percebo que as mulheres são mais cuidadosas ao tomar decisões, gostam de realmente entender para onde está indo seu dinheiro e não costumam ser impulsivas na hora de comprar e vender um investimento. 

As mulheres também se preocupam com o impacto de suas decisões financeiras sobre a sua família e a sociedade. Muitas alunas minhas demonstram grande preocupação com o impacto social de suas escolhas, e procuram escolher investimentos que estejam de acordo com seus valores, buscando conciliar a rentabilidade com a sustentabilidade.

  1. Você poderia falar sobre a importância de criar um ambiente acolhedor e seguro para mulheres aprenderem sobre finanças?

Criar um ambiente acolhedor e seguro para mulheres aprenderem sobre finanças é essencial para aumentarmos a participação feminina no mundo dos investimentos. 

Muitas mulheres deixam de se aprofundar sobre o assunto, pois passam por preconceitos e situações constrangedoras ao tentarem aprender sobre o tema. Recebo diversos relatos de alunas que tentam fazer perguntas para parceiros, colegas e familiares e são ridicularizadas ou desencorajadas. 

Ao longo da minha trajetória, aprendendo e ensinando, percebi que um espaço livre de julgamentos faz toda a diferença para que a mulher consiga vencer as suas inseguranças e medos. 

Isso abrange usar uma linguagem inclusiva, fornecer exemplos e cenários que ressoem com suas experiências de vida e proporcionar uma rede de apoio para que compartilhem essa jornada com outras mulheres.

Dentro do meu curso, por exemplo, criei uma comunidade com encontros semanais e uma rede social para que as alunas possam conversar entre si, tirar dúvidas e comemorar suas conquistas em grupo.

  1. Como o empoderamento financeiro pode influenciar outras áreas da vida das mulheres, como relacionamentos e carreira?

Costumo dizer que cuidar do dinheiro vai muito além do discurso tradicional de “gurus” de investimentos sobre enriquecer rapidamente e ostentar produtos caros. 

Nossas finanças tem um impacto direto sobre todas as áreas de nossa vida, como saúde, família, relacionamentos amorosos, carreira e lazer. 

Uma mulher que tem autonomia financeira para tomar suas decisões têm mais propensão de sair de um relacionamento abusivo, de cuidar da sua saúde e de sua família e  investir na sua educação, cultura e hobbies. 

Ter poder de escolha pode mudar a vida de uma mulher, em todos os aspectos. 

  1. Como você vê o futuro da educação financeira no Brasil, especialmente para mulheres?

A educação financeira no Brasil ainda é precária e, quando se trata de mulheres, o cenário é ainda mais preocupante. Entretanto, percebo uma mudança significativa nos últimos anos. 

Com as redes sociais, o tema tem ganhado cada vez mais relevância, e o número de mulheres se educando financeiramente está aumentando consideravelmente. 

Acredito que ainda temos uma longa jornada para acabar com essa desigualdade, e que é um problema estrutural. 

O assunto deve ser abordado nas escolas, e uma combinação de iniciativas públicas e privadas é necessária para mudar o cenário da educação financeira no Brasil.

  1. O que é independência financeira para você?

Para mim, independência financeira significa ter recursos suficientes para tomar decisões de vida sem a preocupação financeira como um fator limitante, permitindo liberdade de escolha em como viver e trabalhar. 

Além disso, vejo a independência financeira como uma forma de explorar ao máximo o meu potencial. Sou uma mulher muito curiosa, e me interesso pelos assuntos mais diversos. 

Ter uma vida financeira saudável me permite explorar hobbies, viajar e fazer cursos, construindo uma vida interessante e cheia de significado.

  1. Como aprendeu a lidar com o dinheiro?

Tive o privilégio de nascer em uma família que lidava com as finanças de forma muito saudável. 

Aprendi muito pelo exemplo, observando meus pais conversarem sobre seus gastos, fazerem o orçamento mensal e planejarem o futuro de maneira responsável. Tudo isso foi essencial para que eu crescesse tendo uma boa relação com o dinheiro. 

A parte técnica sobre investimentos aprendi sozinha, estudando muito, fazendo o máximo de cursos e capacitações, lendo sobre o assunto e, principalmente, colocando em prática. 

  1. Na sua opinião, como a mulher pode conciliar a parceria no casamento no sentido de construir e preservar sua independência financeira?

Nunca fui casada, mas acredito que a base de um bom relacionamento, em todos os aspectos, é o respeito e a comunicação. 

O casal precisa ter a liberdade de dialogar sem julgamentos sobre dinheiro, mesmo que isso signifique ter conversas desconfortáveis. É importante conversar sobre crenças que vieram da infância, sobre a remuneração de cada um, os gastos e os planos futuros.

Ter metas em conjunto também é algo importante, assim ambos se comprometem a seguir um plano por um motivo maior, e se sentem motivados a continuar cuidando das finanças. Não existe certo ou errado, o importante é fazer combinados que funcionem para o casal.

  1. Como profissional da área de finanças, quais seriam os seus conselhos para as mulheres que são mães e que se preocupam com o futuro financeiro dos filhos?

Meu conselho para mulheres que são mães e que se preocupam com o futuro financeiro dos filhos é ensinar pelo exemplo. As crianças aprendem muito observando, e vão reproduzir os hábitos financeiros que presenciaram ao longo da vida, em suas casas. 

Inicie conversas sobre dinheiro com seus filhos o quanto antes. Use situações cotidianas, como idas ao supermercado ou planejamento de férias, para ensinar sobre orçamento, poupança e o valor do dinheiro. Jogos e aplicativos educativos também podem ser ferramentas úteis para ensinar conceitos financeiros de maneira divertida e interativa. 

À medida que seus filhos crescem, encoraje-os a ganhar seu próprio dinheiro através de pequenos trabalhos ou mesadas baseadas em tarefas. Isso os ajuda a entender o valor do dinheiro e a desenvolver a responsabilidade financeira.

Comece a poupar e investir para objetivos de longo prazo, como a educação dos seus filhos ou sua aposentadoria, o mais cedo possível. Planos de educação, fundos de investimento e previdência privada são opções que podem ser consideradas. 

Lembre-se de diversificar seus investimentos para minimizar riscos.

  1. Como está atualmente sua carteira de investimentos? Você já se arrependeu de algum investimento financeiro feito?

Atualmente, sou uma investidora moderada, e tenho uma carteira bem diversificada entre investimentos de Renda Fixa e de Renda Variável. 

Invisto pensando nos meus objetivos de curto, médio e longo prazo, e priorizo escolher bons ativos que eu possa manter na minha carteira por muito tempo.

No início da minha jornada como investidora já me arrependi de ter comprado ações seguindo recomendações de terceiros sem checar se estavam de acordo com os meus objetivos, um erro clássico! 

Acredito que errar é inevitável, e é assim que aprendemos!

  1. Na sua opinião, qual investimento toda mulher deveria ter?

Toda mulher deveria ter uma reserva de emergência, em um investimento seguro, com alta liquidez e rentabilidade de pelo menos 100% do CDI. 

A reserva de emergência é um dinheiro destinado para cobrir despesas inesperadas, como imprevistos de saúde, reparos de emergência em casa e carro, ou perda de emprego. 

Saber que há um fundo de emergências evita que a mulher entre em dívidas e pode reduzir o estresse e a ansiedade relacionados a problemas financeiros inesperados. 

Além disso, com a reserva você pode tomar decisões importantes com maior liberdade, como uma mudança de emprego, iniciar um negócio, ou fazer uma pausa na carreira para cuidados pessoais ou familiares.

A regra geral é ter o equivalente a 3-6 meses de despesas de vida cobertas. Ajuste esse valor com base na estabilidade de sua renda e nas suas despesas mensais. 

A reserva de emergência deve ser facilmente acessível e mantida em um investimento de baixo risco, como o Tesouro Selic ou CDBs de liquidez diária.

  1. Uma dica para lidar com tentações de consumo que toda mulher deveria saber: 

Fazer uma limpa nas suas redes sociais e parar de seguir conteúdos que te geram gatilho para consumir itens por impulso.

  1. Um traje que você investiu e não pode faltar no seu armário para vida: 

Uma boa calça de alfaiataria. 

  1. Qual conselho você daria hoje a você mesma há dez anos atrás? 

Uma mulher que sabe colocar limites incomoda muita gente. Nunca deixe de estabelecer o que é importante para você por medo de não ser aceita.

  1. Poderia indicar um livro que toda mulher deveria ler? 

Indomável, da Glennon Doyle.

  1. Qual o seu último recado para elas?

Mulheres, conversem sobre dinheiro com outras mulheres! Seja na sua terapia, com amigas ou até colegas. Precisamos quebrar esse tabu e é apenas conversando sobre o tema que você vai descobrir quais são as suas limitações e trabalhar para superá-las.