Depois de ser ignorada por grandes galerias, Camila Alcântara cria o seu próprio espaço de arte contemporânea

Além de expor os trabalhos da artista, Galeria Lateral atua na gestão de carreiras e promove ações socioeducativas
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Karol Fircelly
Camila Alcântara é cofundadora da Galeria Lateral, espaço de arte contemporânea (Foto: Karol Fircelly)

Nas paredes de uma galeria de arte na Rua Dona Leopoldina, na região do Ipiranga, em São Paulo, Camila Alcântara, de 30 anos, pendura alguns quadros feitos por ela e por outros artistas que conhece e admira. Esse é o seu ritual preferido como proprietária do espaço. 

Desde 2019, quando seus quadros foram expostos pela primeira vez em uma exposição coletiva no Rio de Janeiro, a sensação de enquadrar uma pintura e colocá-la em posição de admiração encanta Camila. Na época, o orgulho foi tão forte que ela conseguiu, pela primeira vez, classificar-se como artista. Agora, dois – longos e pandêmicos – anos depois, ela espera propiciar o mesmo sentimento para outros artistas por meio da Galeria Lateral, fundada em 2020 em parceria com o seu sócio e marido Guilherme Marinho. 

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“Ver as pessoas paradas, refletindo diante de algo que você criou, é mágico. Não existe nada comparado a esse sentimento”, revela. Essa percepção sobre a arte, no entanto, já habitava seu interior desde 2019, mas vivia adormecida. Era vista como um sentimento, não como a origem para a criação de algo grande. Foi apenas durante a crise sanitária, quando o incômodo e a frustração invadiram sua vida de artista, que esse sentimento se transformou em ação. 

“A pandemia foi horrível, mas ela fez com que eu me movimentasse por necessidade. Antes, eu podia mostrar o meu trabalho em feiras e exposições. Após a crise sanitária, tudo fechou e eu fiquei sem visibilidade alguma do meu trabalho”, explica. “Eu já era ignorada pelas galerias de arte quando entrava em contato e enviava meu portfólio. Depois da Covid-19, ficou ainda pior. Elas estavam fazendo leilões de arte e eu mandava mensagem tentando participar para gerar renda, mas ninguém me respondia. Frustrada, decidi que criaria minha própria galeria de arte.” 

Inicialmente, a Galeria Lateral, como foi batizada, existia apenas em ambiente digital. “Logo que eu tive a ideia, contei pro Guilherme e ele adorou. Fizemos um perfil no Instagram e logo começamos um leilão super informal. As pessoas davam lances com os valores nos comentários. Era baixo, mas era o que tinha na época. Não dava para esperar.” Crescendo aos poucos, o perfil começou a ter interação com outros artistas pequenos, que também buscavam espaço para divulgar suas artes. De forma acolhedora, a comunidade criada em março de 2020 cresceu com uma essência inclusiva e democrática. Apenas quatro meses depois, em julho, Camila e Guilherme decidiram levar essa iniciativa para além das redes sociais e começaram a planejar um espaço físico. 

A região do Ipiranga foi escolhida para abrigar a Galeria Lateral, inaugurada em agosto. “Fizemos uma última exposição digital e abrimos nosso espaço. Seu objetivo é fazer com que os artistas encontrem um espaço de valorização para sua arte, pelo simples ato de pendurar os quadros em uma parede”, destaca ela. Após mais de um ano de atividades, Camila já pode dizer que a galeria impacta muito mais do que apenas sua vida. “Antes, eu mandava meu portfólio para outras galerias. Hoje, eu recebo material de artistas. Faço questão de respondê-los, porque eu era ignorada. Preferia receber um nítido ‘não’ do que ficar na incerteza. Isso faz com que os artistas questionem a qualidade de seus trabalhos.” 

Atualmente, a Galeria Lateral tem quatro artistas fixos, mas muitos outros têm a oportunidade de divulgar suas obras em exposições temáticas e sazonais que o espaço organiza. Além disso, há a promoção de ações e atividades socioeducativas. É um ambiente cíclico, como resume Camila, onde histórias são acolhidas e respeitadas, seja em forma de pintura abstrata ou grafite. Nascida em meio à pandemia, a galeria é um orgulho pessoal, mas ela não é vista dessa forma apenas pelos seus criadores. 

No último mês, Camila teve sua história gravada e contada em um documentário de uma campanha digital da DocuSign, empresa focada em assinatura eletrônica e gestão de documentos na nuvem, que busca enaltecer o poder e a importância da mudança e seu impacto na vida das pessoas, bem como no mundo dos negócios. Como alguém que abriu uma galeria em plena pandemia, a paulistana foi reconhecida pelo projeto, mas esse não foi o único aspecto de mudança que chamou a atenção dos produtores. Embora a jovem transpareça seu amor pela arte nas falas, essa atuação ainda é recente em sua vida. Foi apenas em 2017, como um hobbie, que ela começou a criar seus primeiros quadros. Antes disso, trabalhava com moda – assim como seu parceiro, Guilherme. 

A ARTE DA MUDANÇA

Camila sempre teve contato com materiais artísticos e literatura em casa. No entanto, sua paixão pelas artes plásticas nasceu naturalmente, enquanto conhecia a capital paulista e admirava seus murais de graffiti. Quando passava na frente do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), parecia que um imã a puxava para dentro. Mesmo assim, ela sempre lidou com esse encantamento sem pensar em seguir carreira. Afinal, não sabia desenhar, então pensava que a arte existia em sua vida apenas para ser admirada. 

Na fase de escolher uma carreira, estudou moda e logo começou a trabalhar como produtora e stylist. Estabilizada financeiramente, vivenciou a moda sem dúvidas até os 26 anos, quando alguns exercícios do trabalho despertaram uma vontade inusitada. “Fazíamos inúmeras colagens com tendências de moda para diferentes estações e temporadas. Isso acabou me reconectando com atividades que eu fazia na infância e, de repente, eu já estava fazendo colagens como um passatempo”, recorda.  “Fui desenvolvendo cada vez mais, até que um dia eu postei nas minhas redes sociais e um amigo disse que tinha gostado e perguntou o valor. Obviamente eu não sabia precificar”, diz, entre risadas. “Não lembro se cobrei certo, mas essa foi a minha primeira venda.” 

Embora ainda não se classificasse como artista, o acontecimento fez com que Camila questionasse a sua satisfação com o emprego que tinha na moda – e se perguntasse sobre a real possibilidade de gerar renda com suas colagens. Esse período de grandes questionamentos durou cerca de um ano. Nesse tempo, chegou a vender mais quadros em sites de decoração. “Meu trabalho começou a tomar uma proporção que eu jamais imaginava no início. Começou a me incomodar porque eu estava produzindo com apelo decorativo e comercial, pensando no que os consumidores gostariam de colocar na sala ou na cozinha. Isso fez com que a arte deixasse de ser hobbie e eu parei de produzir por um ano. Prometi a mim mesma que não iria mais produzir nada com aquele sentimento”, conta. 

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Embora 2018 tenha sido um ano sem novas criações artísticas, Camila fez um dos avanços mais importantes de sua carreira. “Eu me conheci”, destaca. “Foi um ano de muita pesquisa e aprendizado, e isso refletiu no meu trabalho. Comecei a me entender como mulher negra e como profissional. Entender o que eu gostava ou não de fazer. Qual era o impacto que eu queria gerar no mundo. Fiquei um ano sem fazer colagens, mas coloquei a mão na massa no quesito autoconhecimento. Foi um divisor de águas.” 

Em 2019, chegou o momento de colocar em prática tudo o que tinha refletido durante 12 meses. No meio do ano, deixou o seu emprego na moda e mergulhou na produção de colagens com significado. “Fiz minha primeira exposição coletiva poucos meses depois de largar meu emprego. Esse foi o momento em que eu entendi a delícia de expor meu material. E é por isso que eu amo pendurar os quadros na minha galeria até hoje”, revela. “Dá um sentimento de pertencimento. Até então, eu tinha dificuldade de verbalizar que eu era artista porque eu não entendia aquilo como meu ofício.” 

Desde então, tudo aconteceu muito rápido – e o resto da história, até a Galeria Lateral, nós já conhecemos -, mas, para Camila, o segredo dessa transição de carreira abrupta é o autoconhecimento. Para ela, demorou cerca de um ano para que seus desejos e vontade se tornassem claros e certeiros. “Somos muito condicionados a seguir vozes que não são nossas. Quando aprendemos a nos ouvir, conseguimos entender melhor para onde vamos”, explica, finalizando a entrevista com uma frase que – finalmente – a define: “Hoje, eu consigo dizer: sou artista.”

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