Entenda o que são offshores e a polêmica que atingiu o alto escalão do governo brasileiro

Manutenção de empresas e contas bancárias fora do país não é ilegal, mas tem regras
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No último domingo (3), o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) publicou a primeira de uma série de reportagens sobre offshores na qual revelou que 330 políticos, artistas, empresários e funcionários públicos de diferentes países são proprietários de empresas e contas fora de suas regiões de nascimento. Entre eles, estão os brasileiros Paulo Guedes, ministro da Economia, e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, além de acionistas de 20 das 500 companhias que mais empregam no Brasil.

O termo não é novo, e frequentemente está associado a operações ilegais de sonegação de impostos ou lavagem de dinheiro. No entanto, o procedimento de abertura de empresas ou contas bancárias fora do país, para investir dinheiro ou expandir os negócios, é algo lícito, previsto na legislação brasileira.

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As offshores são normalmente utilizadas por cidadãos de patrimônio elevado interessados nas baixas taxas tributárias oferecidas por alguns países – há casos onde elas são próximas a zero. Conhecidos popularmente como paraísos fiscais, esses países acabaram se tornando uma maneira de, além de pagar menos imposto, proteger o dinheiro dos riscos relacionados à economia de nações menos estáveis, de confiscos – como o da poupança ocorrido no Brasil em 1990 – e da volatilidade do câmbio, e ainda fazer uma renda extra em moeda estrangeira. Para completar a lista de benefícios, a burocracia é reduzida e as instituições prezam pela privacidade e sigilo em relação às informações bancárias de seus clientes. No caso de pessoas jurídicas, a composição acionária também é mantida em segredo.

O fato de manter offshores não é ilegal, desde que siga as regras da legislação brasileira, como a declaração à Receita Federal. Quando os ativos ultrapassam US$ 1 milhão, a lei obriga a informar também o Banco Central.

Entre os paraísos fiscais mais conhecidos estão Bahamas, Ilhas Cayman, Panamá, Hong Kong, Suíça, Emirados Árabes Unidos, Ilhas Virgens Britânicas e Luxemburgo. Nas Bahamas, por exemplo, não há imposto de renda corporativo, nem retido na fonte. Já nas Ilhas Virgens Britânicas – principal alvo da série de reportagens batizada de Pandora Papers – não existe imposto de renda, imposto corporativo ou tributação sobre ganhos de capital, de acordo com o guia tributário internacional da Deloitte. Empregadores e empregados, entretanto, têm que pagar um imposto sobre a folha de pagamento, que varia de 10% a 14%.

TIPOS DE OFFSHORE

Existem três tipos de estruturas principais de uma offshore: a Sociedade de Responsabilidade Limitada (LLC), a Corporação de Negócios Internacionais (IBC) e a Companhia Limitada (LTDA). As duas últimas se assemelham bastante, enquanto a última possui algumas peculiaridades.

Uma LLC é uma estrutura que não tem diretores ou acionistas – apenas membros. A vantagem é que trata-se de uma estrutura flexível, ou seja, seus integrantes podem definir como será a relação entre eles. Além disso, por serem empresas fiscalmente transparentes, o imposto é calculado de uma maneira diferente, sendo que, em algumas situações, pode até ocorrer a isenção fiscal.

Já as offshores IBC são as mais utilizadas. Seus benefícios incluem a isenção de impostos e o anonimato dos proprietários. Além disso, não é obrigatório publicar as contas anuais e a única exigência é a existência de um administrador ou sócio. Dependendo do país, esse modelo não é permitido.

Por fim, a LTDA é uma sociedade muito parecida com a de um IBC, mas conta com uma reputação melhor para ações como, por exemplo, a abertura de conta bancária. No entanto, as LTDA’s podem ser obrigadas a pagar uma parte dos impostos dependendo do país.

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Paulo Guedes, ministro da economia, envolvido na polêmica dos offshores

ENTENDA A POLÊMICA

O fato de manter offshores não é ilegal, mas o consórcio de veículos responsável pela publicação entende que revelar os nomes dos ricos e poderosos que se utilizam dessa alternativa é um serviço de utilidade pública – mesmo quando não há nenhum crime envolvido. “Este é um mecanismo de economizar impostos e proteger patrimônio exclusivo da elite econômica mundial. Em outras palavras, a maioria da população não tem dinheiro nem meios para abrir uma offshore”, publicou o “El País”.

No documento final elaborado pela ICIJ estão 1.897 brasileiros, o que dá ao país o quinto lugar entre os que mais possuem nomes citados.

Ainda segundo a sucursal no país do jornal espanhol, as empresas de brasileiros citados no Pandora Papers foram abertas por razões diversas, como a compra de um barco e imóveis no exterior ou a diversificação de investimentos. O que tem chamado a atenção das autoridades é que Paulo Guedes e Roberto Campos Neto são funcionários públicos, o que gera conflito de interesses. O ministro da Economia, por exemplo, abriu em 2014 a  Dreadnoughts International, uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas cuja conta bancária, aberta numa agência do banco Crédit Suisse, em Nova York, recebeu o equivalente a R$ 23 milhões na época. Hoje, no câmbio atual, esse valor corresponde a R$ 51 milhões.

“Possuir offshores em paraísos fiscais representa clara situação de conflito de interesse de duas figuras centrais no comando da política econômica, mesmo não sendo necessariamente crime a propriedade de offshores. Guedes e Campos Neto lucram no exterior com dólar alto enquanto a situação econômica do país se degrada”, publicou em nota a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco). “A lista divulgada causa espanto ao relatar que 66 dos maiores devedores de impostos no Brasil mantêm offshores. São mais de R$ 16,6 bilhões sonegados, enquanto brasileiros fazem filas para conseguir ossos e restos de carne para escapar da fome”, continuou a entidade, que defende uma reforma tributária ampla, social e justa

Carol Proença é estudante de economia e especialista de investimentos certificada

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