Como as redes sociais contribuem para o boom dos procedimentos estéticos

Após Pinterest mudar política para conteúdos sobre imagem corporal, a EQL tenta entender a conexão entre imagem, redes sociais e intervenções estéticas
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A relação entre intervenções estéticas e a influência das redes sociais

A discussão sobre os padrões de beleza e seus efeitos na sociedade ganhou um novo capítulo. A rede social de compartilhamento de fotos Pinterest passou a proibir anúncios publicitários associados à perda de peso.

Os conteúdos que passam a ser vetados são aqueles que envolvem testemunhos sobre perda de peso, produtos para emagrecimento, uso de linguagem ou imagem que idealizam ou depreciam certos tipos de corpos e referências ao Índice de Massa Corporal (IMC) ou outros parâmetros médicos que relacionam peso e saúde. 

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Segundo a rede social de ideias e inspirações, a medida é um esforço para evitar a ideia de padrão de corpo perfeito. Em comunicado feito no dia 1º de julho, a plataforma afirmou que muitas pessoas têm enfrentado desafios relacionados à imagem corporal e à saúde mental, o que levou à decisão de atualizar sua política para impedir qualquer campanha publicitária sobre perda de peso.

Para a psicanalista Dirce de Sá Freire é inegável que as redes sociais intensificam os padrões de beleza e podem gerar consequências sérias no psicológico dos usuários. Ela também é e professora de psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). 

“A gente tem que lembrar que o ser humano é um sujeito social, então o social tem uma grande importância na nossa subjetividade. As redes sociais, por estarem fortemente presentes na vida social, obviamente têm uma importância muito grande na formação dos sujeitos.”

Ainda segundo a professora, as redes sociais intensificam a “ditadura da beleza”, quando propagam e estimulam conteúdos de valorização dos tipos corporais dos padrões de beleza. “Atualmente existe uma distorção da imagem corporal que faz com que corpos reais sejam desvalorizados, uma vez que não se enquadram nos padrões da ditadura da beleza. Isso contribui muito para a distorção da imagem corporal do indivíduo em função das que imperam. Ninguém pode ter formas arredondadas, quadril largo, feições arredondadas porque tudo isso está muito desvalorizado”. 

Imagem, sociedade e sujeito

A psicanalista ressalta que vivemos na “sociedade do espetáculo”, conceito formulado pelo escritor francês Guy Debord, em livro homônimo de 1967. Para o teórico, o espetáculo é definido como o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens. Segundo o escritor, a  sociedade pós Segunda Guerra apresenta uma interdependência entre o processo de acúmulo de capital e o processo de acúmulo de imagens. Guy Debord argumenta também que, nesse processo, é impossível separar as relações sociais das relações de produção e de consumo.  Assim, a produção de imagens, a valorização da dimensão visual da comunicação ,é um instrumento de exercício do poder social. 

Nesse sentido, Dirce afirma que a auto-imagem do sujeito também entra no processo de espetacularização: “o que conta é o que a gente aparenta ser e não o que realmente somos e isso causa uma frustração muito grande nas pessoas, com consequências sérias”. 

“Todos esses conteúdos e filtros que alteram as feições interferem na auto imagem, porque estão dizendo que seu rosto não é reconhecido como satisfatório”. Os valores atribuídos aos padrões da estética criam distorções da imagem corporal, interferindo também nos nossos desejos da pessoa. Segundo a professora, esse fenômeno está na base dos transtornos alimentares. Além disso, a psicanalista também considera o aumento de intervenções estéticas como um sintoma da pressão dos padrões de beleza. 

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Uma pesquisa realizada pela Sociedade Internacional de Cirurgias Estéticas em 2019 mostrou que os procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos tiveram aumento global de 7,4% em comparação com 2018. O destaque vai para as cirurgias de aumento dos glúteos, o crescimento foi de  38,4%. Já o lifting de glúteos registrou salto de 25,5%.

O mesmo estudo também mostra que o uso de injetáveis não cirúrgicos teve aumento de 8,6%. Embora a toxina botulínica continue sendo a mais utilizada, foi observado o aumento de de 64,9% no uso de  hidroxiapatita de cálcio e 15,7% do ácido hialurônico. Os procedimentos com ácido poliláctico e microablativo também tiveram aumento significativo: 24,1% e 34,2%, respectivamente.

A social media Karen Silva, de 23 anos, conta que pretende fazer diversos tipos de intervenções estéticas, como aplicar ácido hialurônico na boca, aplicar botox nos olhos e o foxy-eye, em que os olhos são levemente esticados. Nas interferências cirúrgicas, tem vontade de fazer lipo lad, aplicar silicone e tirar gorduras localizadas, “apesar de não ter tanto o que tirar”. 

“Seria hipocrisia da minha parte negar que padrão de beleza que a gente tem influência nessa minha vontade. Mas, além disso, é pelo meu próprio bem-estar mesmo. Acredito que com isso vou conseguir me olhar no espelho e me sentir mais bonita, mais feliz. Não me sinto feliz da forma que estou agora. Se eu fizer uma parte desses procedimentos estéticos, minha autoestima vai melhorar muito e vou ficar, pelo menos, um pouco mais satisfeita”, afirma Karen.

A psicanalista diz que sentimentos como os de Karen são comuns e simplesmente ter a vontade de fazer diversas intervenções não é um problema em si. “Quem faz cirurgia no rosto ou no corpo pode estar atuando de maneira saudável, é importante que as pessoas tenham contato com seus desejos  para saber se é aquele mesmo o desejo dela. O problema está quando o sujeito passa pelo excesso.” 

Além dos transtornos alimentares, como coloca a professora, os excessos ligados à cirurgias e intervenções estéticas também  possuem consequências. É muito comum que elas não se identifiquem com o resultado de uma plástica, porque há determinados procedimentos que excluem traços familiares, de pertencimento ao grupo de origem dessa pessoa, e que são importantes para a subjetividade porque mexem no sentimento de reconhecimento do indivíduo”.  

“Fruto da falta de limite que tem essa compulsão, porque ela nada mais é do que perda de controle da satisfação e isso está relacionado com a cultura do excesso que a gente vive hoje. Onde há excesso, há problema”, afirma Dirce. 

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