O real voltou a ocupar depois de um longo período o posto de pior moeda entre seus pares, perdendo quase 7% em apenas duas sessões, e analistas pontuam que, embora o exterior esteja ditando a formação de preço da taxa de câmbio, o cenário interno tampouco tem ajudado, em meio a nova tensão institucional em ano de elevada temperatura eleitoral.

Apenas na última sexta-feira (22) o dólar saltou 4%, maior alta desde que o mundo mergulhava na crise do início da pandemia dois anos atrás. Nesta segunda, o real seguia como pária global, liderando novamente a ponta negativa com perdas de quase 2% – contudo, o dia novamente é de amplo fortalecimento do dólar por preocupações com a economia global e por riscos de o Fed acelerar o ritmo de aperto monetário.

O ponto citado por analistas agora é que o cenário doméstico pode cada vez mais inspirar cautela num momento em que o panorama externo fica mais e mais avesso a estratégias que ajudaram a apreciar moedas emergentes – e o real – nos últimos meses. Esse combo e a aproximação das eleições presidenciais em outubro podem adicionar volatilidade a um mercado que historicamente em ano eleitoral já mostra intensos vaivéns.

Nos últimos dias, o mercado lidou com novas manchetes sobre chances de aumento de gastos com o Auxílio Brasil, num contexto em que investidores já questionam as políticas econômicas a serem adotadas pelo governo que tomar posse em 2023.

Paralelo a isso, a crise entre os Poderes voltou a ocupar os holofotes após o presidente Jair Bolsonaro anunciar na quinta-feira passada decreto concedendo perdão ao deputado Daniel Silveira, condenado pelo Supremo Tribunal Federal por crimes de coação no curso do processo e atentado ao ​Estado Democrático de Direito.

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“Mais preocupante, contudo, foi a tensão criada entre o Ministro Barroso do STF e as Forças Armadas sobre a lisura das urnas eletrônicas. Este assunto cria um clima de instabilidade forte para o pleito de outubro, e este tema é central para muitos investidores internacionais que veem na estabilidade democrática um ponto fundamental pra investimentos de longo prazo”, disse André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos.

Para o economista, é difícil determinar se de fato as recentes questões políticas estão “formando preço” no mercado, mas ignorar estes temas não parece mais uma opção. “Está evidente que o mercado está de olho já na eleição, e as rusgas trocadas por um ministro do Supremo e as Forças Armadas não é um sinal alvissareiro”, finalizou.

Analistas de mercado ressalvaram que esses eventos em si não definiram o rumo da taxa de câmbio, que depreciou arrastada pelo mau humor externo recente, mas ponderaram que um ambiente interno mais frágil potencializa uma correção do real após os fortes ganhos desde o início do ano.

Na máxima desta sessão, o dólar foi a 4,95 reais, patamar não visto em um mês. A alta corrobora apostas de departamentos econômicos de instituições financeiras de que a divisa voltaria a se aproximar de 5 reais devido à combinação de elementos como restrição de liquidez global e incertezas políticas no Brasil.

“O ‘trade’ estava muito carregado em real, foram semanas, meses de entradas na moeda. Mas na hora da saída a porta é sempre pequena, é sempre assim”, disse Marcos Weigt, chefe de tesouraria do Travelex Bank. “Se o movimento de ‘sell-off’ (venda generalizada de ativos) continuar, o dólar pode ir tranquilamente para 5 reais”, completou.

ELEIÇÕES À FRENTE

Anilson Moretti, chefe de câmbio da HCI Invest, também acredita que a moeda pode voltar à casa dos 5 reais, e, embora atribua a valorização recente do dólar ao exterior arisco e a movimentos especulativos, acredita que a pauta política local ganhará cada vez mais espaço no radar do mercado a partir do fim do segundo trimestre deste ano, com a aproximação das eleições presidenciais.

Ele também citou as mobilizações de servidores públicos por ajustes salariais –que podem levar a mais greves à frente, como a deflagrada pelo Banco Central no mês passado– como fator de cautela na cena política.

Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, disse à Reuters que os riscos institucionais e eleitorais domésticos ainda são pequenos quando comparados à crise na Ucrânia, aos receios relacionados à política monetária norte-americana e aos sinais de desaceleração econômica na China.

No entanto, uma “confluência de fatores” pode começar a impulsionar a pauta local ao longo dos próximos meses, mantendo a volatilidade elevada e ofuscando as expectativas do mercado para os preços dos ativos brasileiros, disse ela.

Argenta afirmou que a conclusão das eleições francesas –que culminaram no domingo numa nova vitória de Emmanuel Macron– tende a intensificar o foco na corrida presidencial brasileira à frente, principalmente depois que votações em outros países que dividem a atenção internacional com o Brasil, como a Colômbia, também ficarem para trás.

Também pode aumentar o peso da pauta política doméstica nos mercados algum arrefecimento ou conclusão para os fenômenos externos que têm dominado os noticiários, disse a economista.

Então, o centro das atenções estará no processo eleitoral, que “pode trazer desgaste muito grande para as instituições” brasileiras, afirmou, ressaltando que anos de eleição por aqui “são uma caixinha de surpresas”.

“Nas eleições passadas tivemos uma facada, antes disso, um dos principais candidatos morreu”, disse Argenta, referindo-se a Eduardo Campos (PSB), morto em acidente aéreo em agosto de 2014. “Coisas tão impensáveis podem acontecer que podem levar a volatilidade para patamares elevadíssimos, dificultando qualquer tipo de projeção” sobre os rumos da taxa de câmbio ou outros ativos domésticos, completou.

(Com Reuters)

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