Elas que votam! Entenda o que foi o movimento sufragista

Mulheres lutaram de formas diferentes pelo direito ao voto e à participação política
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Elas que votam! Entenda o que foi o movimento sufragista
Encontro do movimento sufragista na Inglaterra, em 1908

A democracia foi uma conquista árdua – e morosa – na maior parte do mundo, principalmente no que diz respeito ao envolvimento das minorias. No Brasil, por exemplo, as mulheres foram excluídas da disputa política até 24 de fevereiro de 1932, quando Getúlio Vargas decretou o Código Eleitoral. Até então, elas não votavam, nem se candidatavam a cargos eletivos, apesar das várias tentativas anteriores para acelerar esse processo, como a Lei Saraiva, em 1880; a criação do Partido Republicano Feminino, em 1910; e a fundação da Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher (LEIM), em 1919.

Mas não foi só aqui que a democracia surgiu excluindo os direitos femininos. Berço do sufrágio universal – o direito a votar e ser votado – e do Iluminismo, movimento intelectual, filosófico e cultural que promoveu mudanças políticas, econômicas e sociais baseadas nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, a França só instituiu o voto feminino em 1945, depois da Segunda Guerra Mundial. 

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A falta da participação feminina nos espaços políticos começou a ser contestada em diversas nações no final do século 19 e ganhou força no século 20, com os movimentos sufragistas, explica a pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) Hannah Aflalo. “Começaram a surgir movimentos que reivindicavam o sufrágio universal, que, apesar do nome, não incluía as mulheres como cidadãs capazes de votar”, diz. 

Empoderamento por meio do trabalho

Segundo a especialista, a entrada das mulheres no mercado é um marco importante no sentido da autonomia financeira. “Esse movimento, com certeza, gerou uma autonomia política também”, afirma. Assim, a Revolução Industrial (1760-1840) teve papel fundamental nessa transformação cultural, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. 

Com a maior participação feminina nas fábricas e em outros postos de trabalho, as mulheres começaram a frequentar cada vez mais os espaços públicos – em vez de apenas suas casas. “Nos países em que houve um grande número de mulheres construindo suas carreiras, o movimento teve um caráter trabalhista em busca de direitos civis.” 

Essa busca por igualdade, no entanto, registrou tempos e características próprias de organização e estratégias de atuação, com recortes raciais e de classe distintos, de acordo com o local. O mesmo aconteceu com os movimentos sufragistas. Em 1903, na Inglaterra, por exemplo, foi criada a União Política e Social das Mulheres, cuja sigla em inglês é WSPU (União Social e Política das Mulheres, em português), que unia mulheres de diversas classes sociais. A iniciativa foi liderada por Emmeline Pankhurst e o grupo era considerado radical em suas manifestações, já que pressionavam o governo por meio do apedrejamento de lojas, explosões de caixas de correio e depredações de edifícios. O Estado repreendeu duramente o movimento e muitas mulheres foram presas,

Durante uma corrida de cavalos em 1913, a ativista do grupo Emily Davison se jogou na frente de um dos animais enquanto gritava pelo sufrágio. Emily morreu quatro dias depois e se tornou uma mártir das sufragistas inglesas. Mesmo com uma grande passeata em homenagem à vítima e sua causa, a Inglaterra demorou mais cinco anos para instituir o voto feminino. 

Brasil deixa pioneirismo escapar

“O Brasil ainda não tinha passado por sua revolução industrial no começo do século 20. Apesar de ter uma grande massa de trabalhadoras negras, o movimento  sufragista aqui teve um viés mais branco e elitista de mulheres que estudaram e acompanharam as manifestações em outros países”, comenta Hannah. 

É o caso de Bertha Lutz, filha do médico Adolfo Lutz, que se formou em biologia na Europa. Após retornar ao Brasil em 1918, ela criou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher no ano seguinte. Esse movimento deu origem à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), que atuou em nome dos direitos civis e políticos das mulheres. 

E AINDA: Conheça a história do primeiro partido feminino do Brasil

Antes de Bertha, a professora Leolinda Daltro havia fundado, em 1910, o primeiro partido de mulheres brasileiras, o Partido Republicano Feminino (PRF), que também pressionava a classe política a instituir o sufrágio feminino, mas a resistência social continuou existindo. “O que acontecia com as mulheres das classes média e alta é que o código civil as colocava em um papel de submissão diante dos homens. Então, assim como eram dependentes do ponto de vista econômico, também eram na política”, diz a especialista.

“O movimento feminista e pelo sufrágio no Brasil teve a participação de algumas mulheres negras, mas não como trabalhadoras, que acabaram sendo invisibilizadas pela história. Era desorganizado nesse sentido e possuía um caráter estratégico de não romper com a ordem vigente, mas de entrar no jogo político que já existia. Isso fez com que o movimento aqui não tivesse caráter de enfrentamento”, comenta Hannah.

Segundo ela, o Brasil poderia ter sido pioneiro no sufrágio universal, pois a discussão da inclusão feminina já existia no país desde a formulação da Constituição de 1889. “Mas houve um discurso na época de que a participação das mulheres na política iria atrapalhar as vidas pública e privada, as famílias. Isso atrasou o movimento no país.” A pesquisadora conta que um dos principais argumentos usados pelas sufragistas brasileiras era de que não havia tido  rompimento das estruturas vigentes em outros países com as conquistas políticas femininas.

Ainda assim, o texto do Código Eleitoral de 1932 colocava restrições para a mulher que quisesse votar: ela deveria ser casada e ter uma autorização do marido. No caso das viúvas, era necessário comprovar renda própria. Essas limitações só foram derrubadas com a Constituição de 1934, também promulgada por Getúlio Vargas. 

Para Hannah, o principal legado do movimento sufragista e da primeira onda feminista está na conquista de igualdades de direitos formais. “Foi um caminho importante para a nossa inclusão na ideia de cidadão e na construção da mulher como sujeito político, mas também mostrou que a igualdade formal não é suficiente, pois ainda existem barreiras para que as mulheres tenham os mesmos direitos, não só na política, como na economia e em outros aspectos.”

Participação feminina na política ainda é baixa no país

A pesquisadora tem razão ao dizer que ainda não há igualdade de gênero nas representações políticas. Apesar de serem 52% do eleitorado brasileiro, a participação das mulheres nas esferas de poder ainda é baixa. Segundo a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM), elas ocupam apenas 15% das cadeiras para deputados federais e 13 das 81 posições no senado. Além disso, na eleição de 2020, só 658 cidades elegeram mulheres para suas prefeituras, o que representa cerca de 12% do número total de municípios no Brasil. 

Um dos principais motivos para a baixa representatividade das mulheres na política é o baixo nível de recursos e a falta de incentivos dos partidos políticos para suas candidatas. A legislação brasileira prevê que as agremiações reservem 30% das candidaturas para mulheres, assim como do fundo partidário para financiar suas campanhas. 

No entanto, a divisão dos recursos nem sempre ocorre de maneira honesta. Em 2019, por exemplo, o então ministro do Turismo Marcelo Álvaro foi denunciado por um esquema de desvio do dinheiro do fundo partidário com uso de candidaturas femininas de fachada. 
Para ajudar a estruturar novas candidaturas femininas e incentivar uma maior competitividade das mulheres no pleito, a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Rio) publicou, recentemente, a cartilha “Mulheres na Política”, com informações sobre como organizar uma campanha eleitoral e as normas de divisão dos recursos. O material pode ser acessado no link.

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